domingo, 22 de julho de 2012

Angola que eu aprendi a amar


As pessoas me perguntam como vim parar aqui em Luanda. Pois bem, sou jornalista, nasci no interior de Santa Catarina e sempre estive envolvida com projetos sociais. Há três anos conheci o trabalho das Irmãs Catequistas Franciscanas, da Província de Santa Clara, em Laurentino, SC. Tenho duas tias que dedicaram a vida toda na missão católica, ambas naturais de Taió, também no interior de SC. As duas sempre me convidaram para conhecer seus trabalhos sociais; penso que me influenciaram mais pelo exemplo de vida do que por quererem. 

Após participar de seminários de políticas públicas e encontros da igreja, tive interesse de saber mais sobre a missão na África e de que forma poderia contribuir efetivamente. Pouco a pouco foram surgindo propostas para ser missionária leiga.

Um missionário leigo é alguém que se identifica com o carisma dessa congregação, sabe da necessidade do povo e sente vontade de colaborar e de permanecer um tempo partilhando dessa caminhada, sem ser propriamente um religioso (padre, freira etc). Humildemente reconheço que tenho estas características, por isso aceitei de bom coração embarcar nesta jornada.

Sou funcionária pública e licenciei-me por dois anos. Escolhi vir, mesmo com as inúmeras propostas que tenho recebido para atuar com jornalismo, visto que me formei a pouco tempo. Precisava vir para a África; sou assim, é meu coração quem manda em mim. Tenho alma cigana, não sei se quero voltar, verei isso com o tempo.

Como jornalista também encaro minha profissão como uma missão. Sei que com meu conhecimento poderei levar boas novas a muita gente. Um jornalista é um profissional treinado para ver o mundo com outros olhos, analisar a sociedade e as micro-sociedades que a completam. É exatamente com este olhar crítico, benévolo e interessado que estou aqui em Luanda. Quero, com esta experiência, me tornar uma repórter melhor, aprimorar meu poder de observação e poder transmitir o conhecimento aqui adquirido para o maior número de pessoas.


A missão

Compartilhei minha aspiração às missões na África com Zenir, uma jovem natural de Angelina, SC, que vivia em Florianópolis. Ela é pedagoga; atuava em uma editora. Ao longo da trajetória de três anos de preparação nos apoiamos mutuamente; queríamos e sabíamos que unidas alcançaríamos nosso objetivo. Ela está em Moçambique agora.

Durante a preparação tivemos contato com muitas freiras e conhecemos seu comprometimento. Além dos encontros anuais de Simpatizantes (como são chamados os interessados em missão), ficamos dois meses fazendo cursos, estágios e visitas, para só então partir para África - eu tive alguns contratempos com relação ao visto e acabei viajando depois de Zenir.

Por fim, o apoio da família também foi muito importante; sem esse alicerce não abdicaríamos de tantas coisas para nos doarmos ao próximo do outro lado do mundo.


Luanda como destino

Parti de Santa Catarina no dia 24 de junho com lágrimas nos olhos e aperto no coração, mas confiante em Deus. Minha primeira parada foi no Rio de Janeiro para obter o visto na embaixada de Angola no Brasil.

Uma longa fila na embaixada; dali até a partida foram horas. Ali já começaram minhas dificuldades: idiomas diferentes, muita gente, algumas pessoas vestidas como se fossem para uma festa- depois entendi que a maioria voltava da Rio+20 e Cúpula dos Povos – mas ali mesmo já fui interagindo com os africanos, tendo meus primeiros contatos com suas culturas e modo de ser.

Foi uma viagem longa, mas muito agradável. Cheguei em Luanda no dia 25, às 7 horas da manhã. Fui carinhosamente recebida pelas irmãs Neiva, Armine, Carmelita e Enedir que estavam a minha espera no aeroporto.

A chegada na cidade

Eu integro o projeto Missão Além Fronteiras, juntamente com outros voluntários de várias nacionalidades.  Moro no bairro Rangel, na capital.

Tive alguns impactos já na chegada em Luanda. Na saída do aeroporto um guarda queria um cafezinho de 50 reais para liberar minha mala. Claro que ele não ganhou, mesmo porque eu nem tinha mais reais. Depois descobri que a propina aqui é normal. Fiquei indignada num primeiro momento, mas depois fui entendendo que o que eu tenho como correto nem sempre é o correto daqui.

Aqui tudo é muito diferente do Brasil. Nas primeiras semanas o clima era estranho, o corpo reclamava do fuso horário. Ficava com sono e com fome fora de hora. Mas, aos poucos, o organismo foi se acostumando.

Hoje faz um mês cheguei, mas parece que já passou muito tempo, isto porque tudo é diferente, todos os dias aparecem novidades e tudo é complexo para explicar sem, ao menos, compreender os costumes básicos do povo.

O que mais me chama a atenção é o transito; algo que só filmando para explicar. Nas praças (feiras) as mulheres com as crianças nas costas, vendendo de tudo um pouco, também é algo bem pitoresco. Para elas é a coisa mais normal, mas para mim é bem marcante.

Nesse tempo de conhecimento da realidade fico atenta a tudo o que posso. Nas primeiras semanas acompanhei algumas irmãs em diversos lugares. Participei de um encontro de análise sociopolítica de Angola dos últimos 30 anos; estive em diversas localidades da grande Luanda, como Terra Vermelha, Santa Madalena. Ajudei também na campanha de vacinação contra o tétano.

Onde vivo fica mais próximo ao centro de Luanda, mas percebo a necessidade de trabalhar mais na periferia, pois é lá que vivem as pessoas mais fragilizadas. Por enquanto, estou me propondo a ajudar na alfabetação em Cazenga, como facilitadora dos alunos que não conseguem aprender. E também um dia por semana na Escola Santa Madalena. 

Tenho planos de formar um grupo de teatro com a participação dos adolescentes que vivem nas redondezas, trabalhando vários aspectos do cotidiano, com enfoque na valorização de cada um e da comunidade. Há outras possibilidades mil, principalmente na área que pretendo atuar (inclusão social por meio da educação), pois é um bairro de refugiados de guerra, onde as pessoas ainda sofrem muito. As irmãs já realizam trabalhos lindos, mas há sempre muito ainda a se fazer. Não se pode agarrar tudo, mas aos poucos vamos nos unindo para fazer a diferença com esse povo. Importante é saber que Deus está sempre conosco. E é preciso saber priorizar. Nesse sentido as Irmãs estão me ajudando muito, pois tenho pressa e é preciso ir devagar; um passo de cada vez.

Já conheço alguns missionários brasileiros e voluntários também. Soube que os brasileiros são aqui a terceira maior população estrangeira. Isso é bom. Nós somos muito bem recebidos pelos angolanos. Tive até a oportunidade de conhecer os bispos de Luanda e Viana. Participei de várias missas; são belíssimas. Os cantos chegam a me emocionar. Muitas vezes são cantados nas línguas locais, as mais comuns umbundo e kimbundo.

Sou jornalista, mas também sou missionária. Não tenho certeza, mas penso que acabo de criar uma nova categoria na profissão: jornalista missionária. Como repórter quero documentar, repassar o que eu vejo, mas como missionária quero colocar a mão na massa; levar conhecimento ao povo. A missão está na minha veia e há muito a se fazer. Quando as minhas atitudes não puderem alcançar a necessidade do povo, simplesmente farei missão com o meu sorriso. Em meio a tanto sofrimento, um sorriso, às vezes, é a melhor atitude. Assim penso.

Um comentário:

  1. Que lindo, Julci. Fico arrepiada e emocionada.
    Parabéns pelo trabalho e espero um dia estar por aí também.

    Beijo

    ResponderExcluir